terça-feira, 14 de abril de 2020

Domingo de Páscoa

Domingo de Páscoa

Homilia de D. Manuel Felício, Bispo da Guarda

Cantamos o aleluia da Páscoa, este ano, em circunstâncias mui­to especiais. A obrigação de ficar em casa e evitar contac­tos impede-nos de visitar lugares e pessoas que são da nossa espcial relação e têm lugar único na nossa vida, impedem-nos de utilizar os 5 dias feriados, ligados ao Tríduo Pascal, pa­ra gozar as férias que  eventualmente já estariam progra­ma­das, de fazer as habituais reuniões de família alargada ou até simplesmente de visitar a terra natal, no caso daqueles que emigraram para mais longe.

Por sua vez, nós, como Igreja, também sentimos a falta de muitas manifestações tradicionais da alegria pascal, apesar de os sinos tocarem a assinalar o acontecimento e a cruz florida em nossas casas poder igualmente marcar a diferen­ça deste dia que o Senhor fez.

Não tivemos as manifestações habituais durante a Quares­ma, como as procissões da Semana Santa. E, a pro­pósito, foi para todos nós particularmente impressio­nante assistir, pela televisão, às celebrações presididas pelo Papa, sozinho, nestes dias, com a Praça e a Basílica de S. Pedro vazias. Ao acompanharmos, na Sexta-feira Santa, a Via-Sacra, na Praça de S. Pedro, sentimos como a experiência dos reclusos dentro das prisões também pode ser vivida mesmo fora delas. E agora não temos e continuamos a não ter as assem­bleias litúrgicas, sentindo es­sa falta principalmente neste do­mingo de Páscoa, sem poder participar, com presença físi­ca, na Missa comemo­rativa da Ressurreição do Senhor, como tam­bém lembramos, com sau­da­de, as procissões da Ressur­rei­ção sobre o chão atape­tado de flores , em muitas terras e sem a visita pascal, nos luga­res onde estava programada


Todavia, no meio de todas estas condicionantes, contra-tem­pos e limitações, continuamos confortados e animados com a única certeza que dá sentido à festa da Páscoa e é esta: Cristo Ressuscitou verdadeiramente, aleluia. Este é, de facto, o Dia que o Senhor fez, exultemos e cantemos de alegria, aleluia. Essa alegria só tem um fundamente que é este: o Senhor saiu vitorioso do Sepulcro e está vivo na meio de nós.


A surpresa de Maria Madalena, na madrugada da Ressur­reição, continua a ser a alegre notícia para todos nós hoje, como o foi para Pedro e João, que correram apressadamente até ao Sepulcro. Não estava lá o corpo do Senhor, mas estava tudo tão bem arrumado, ligaduras para um lado, sudário para o outro, que a primeira conclusão só podia ser esta – não o roubaram. E a seguir vem o seu complemento, também com ajuda da Escritura que ainda não tinham entendido e segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos.

De facto, a partir daquele sepulcro vazio e com a Fé dos discípulos na Ressurreição de Cristo apoiada na Escritura, tudo começou de novo.

E agora são os mesmos discípulos que, desanimados e com medo, tinham abandonado o Mestre e estavam já na disposição de voltar às anteriores ocupações que olham para a vida de Jesus com outros olhos, iluminados pelo novo acontecimento da Ressurreição. É o que faz Pedro para nós hoje, na leitura dos atos dos Apóstolos. Diz ele: Esse Jesus que vós crucificastes, suspendendo-o no madeiro, de facto, é o ungido de Deus, diga-se o Messias. E nós somos ­testemu­nhas de todo o bem que ele fez durante a sua vida e, depois da Ressurreição, comemos e bebemos, de novo, com ele e agora cumprimos o mandato recebido de pregar ao povo e testemunhar a Fé.

Ficou, assim, relançada a história e o processo da nossa Fé, em que a celebração da Páscoa hoje nos convida, de novo,  a tomar parte.


A carta de S. Paulo aos Coríntios desafia-nos a ser fermento, não fermento velho, mas um fermento novo que nos leva a contribuir, como pães ázimos da pureza e da verdade,  para a renovação de nós próprios , da Igreja e da sociedade.

A renovação tem de começar por casa, logicamente, e, por isso, em primeiro lugar está a nossa conversão pessoal, que quer dizer, mudança de mentalidade sobre muita coisa, a começar pela utilização dos bens materiais necessários à nossa subsistência. Estamos, nestes dias de pandemia, a ser especialmente interpelados para o valor da partilha, assim como para a superação de muitos egoísmos que tomam conta de nós, sob as mais variadas formas. Também é mais forte o apelo a estarmos atentos uns aos os outros, nestes tempos de muito sofrimento e alguma angústia, para combater situações de isolamento e abandono que possam existir. E se for necessário correr riscos para cumprir este dever, não podemos dizer que não. Por isso, estamos especialmente gratos a quantos, profissionais de saúde e outros, como os cuidadores dos nossos idosos arriscam a saúde e até a vida para cuidar dos que mais precisam.


A força do fermento que nos vem de Cristo e do seu Evangelho, representado nesses pães ázimos da pureza e da verdade, a que se refere a carta aos Coríntios hoje, deve repercutir na renovação  da sociedade na qual estamos inseridos. E aqui há vários comportamentos instalados que precisam de mudar, os quais, infelizmente por força das ccircunstâncias, já estão a ser identificados e denunciados. É o caso do consumo sem limites a que muitas pessoas estavam habituadas e continuava a ser incentivado. E, mais ainda, era a convicção de que tudo se resolve com dinheiro e bens materiais. E tudo isto é levado ao extremo pelo comportamento desregrado dos mercados financeiros que têm conduzido crescente número de pessoas à marginalida­de e estão a provar que não ajudam a economia real dos países, pelo menos de todos.  Mais ainda dava-se por comun­mente aceite a divisão da sociedade entre os muito ricos e os de pobreza extrema,  e que os recursos da natureza podem explorar-se sem limites.

E, pior ainda, é que esta mentalidade dominante tem-se transformado numa espécie de pecado social, que, como tal, anestesia as pessoas, enquanto lhes vai dando a sensação de que estão a ser premiadas quer com resultados económicos e materiais quer com mais importância social. Isto, logicamente, em prejuízo por um lado do bem comum e por outro dos valores essenciais à nossa vida pessoal e comunitária, que vão sendo esquecidos e transgredidos, sem atender aos resultados funestos que daí derivam.

Quanto á vida interna da Igreja, desejo só referir a resposta que dei a uma pergunta que me fizeram, recentemente, sobre o que esperava destes dias de paragem. E eu disse o seguinte: se muitos dos nossos programas e ações pastorais não estão a produzir o efeito desejado, então, é esta a opor­tunidade para decidirmos mudar e procurar novas for­mas de atuar em vez de continuarmos a fazer o mesmo de sem­pre.

Claro que todos nós sabemos que mudar é sempre difícil e a  resistência à mudança é também uma das dimensões do pecado social que nos condiciona.

Mas vivemos a esperança de que, privados agora das formas habituais de celebrar e cultivar a nossa Fé, com a presença e com­panhia do Senhor Ressuscitado,  havemos de saber dar pas­sos na direção certa, quanto à necessidade de renovar as nos­sas comunidades, como o Evangelho pede e as circuns­tân­cias estão a recomendar.

Santa Páscoa, aleluia.


12.4.2020


+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda

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