Domingo de Páscoa
Domingo de Páscoa
Homilia de D. Manuel Felício, Bispo da Guarda
Cantamos o aleluia da Páscoa, este ano, em circunstâncias muito especiais. A obrigação de ficar em casa e evitar contactos impede-nos de visitar lugares e pessoas que são da nossa espcial relação e têm lugar único na nossa vida, impedem-nos de utilizar os 5 dias feriados, ligados ao Tríduo Pascal, para gozar as férias que eventualmente já estariam programadas, de fazer as habituais reuniões de família alargada ou até simplesmente de visitar a terra natal, no caso daqueles que emigraram para mais longe.
Por sua vez, nós, como Igreja, também sentimos a falta de muitas manifestações tradicionais da alegria pascal, apesar de os sinos tocarem a assinalar o acontecimento e a cruz florida em nossas casas poder igualmente marcar a diferença deste dia que o Senhor fez.
Não tivemos as manifestações habituais durante a Quaresma, como as procissões da Semana Santa. E, a propósito, foi para todos nós particularmente impressionante assistir, pela televisão, às celebrações presididas pelo Papa, sozinho, nestes dias, com a Praça e a Basílica de S. Pedro vazias. Ao acompanharmos, na Sexta-feira Santa, a Via-Sacra, na Praça de S. Pedro, sentimos como a experiência dos reclusos dentro das prisões também pode ser vivida mesmo fora delas. E agora não temos e continuamos a não ter as assembleias litúrgicas, sentindo essa falta principalmente neste domingo de Páscoa, sem poder participar, com presença física, na Missa comemorativa da Ressurreição do Senhor, como também lembramos, com saudade, as procissões da Ressurreição sobre o chão atapetado de flores , em muitas terras e sem a visita pascal, nos lugares onde estava programada
Todavia, no meio de todas estas condicionantes, contra-tempos e limitações, continuamos confortados e animados com a única certeza que dá sentido à festa da Páscoa e é esta: Cristo Ressuscitou verdadeiramente, aleluia. Este é, de facto, o Dia que o Senhor fez, exultemos e cantemos de alegria, aleluia. Essa alegria só tem um fundamente que é este: o Senhor saiu vitorioso do Sepulcro e está vivo na meio de nós.
A surpresa de Maria Madalena, na madrugada da Ressurreição, continua a ser a alegre notícia para todos nós hoje, como o foi para Pedro e João, que correram apressadamente até ao Sepulcro. Não estava lá o corpo do Senhor, mas estava tudo tão bem arrumado, ligaduras para um lado, sudário para o outro, que a primeira conclusão só podia ser esta – não o roubaram. E a seguir vem o seu complemento, também com ajuda da Escritura que ainda não tinham entendido e segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos.
De facto, a partir daquele sepulcro vazio e com a Fé dos discípulos na Ressurreição de Cristo apoiada na Escritura, tudo começou de novo.
E agora são os mesmos discípulos que, desanimados e com medo, tinham abandonado o Mestre e estavam já na disposição de voltar às anteriores ocupações que olham para a vida de Jesus com outros olhos, iluminados pelo novo acontecimento da Ressurreição. É o que faz Pedro para nós hoje, na leitura dos atos dos Apóstolos. Diz ele: Esse Jesus que vós crucificastes, suspendendo-o no madeiro, de facto, é o ungido de Deus, diga-se o Messias. E nós somos testemunhas de todo o bem que ele fez durante a sua vida e, depois da Ressurreição, comemos e bebemos, de novo, com ele e agora cumprimos o mandato recebido de pregar ao povo e testemunhar a Fé.
Ficou, assim, relançada a história e o processo da nossa Fé, em que a celebração da Páscoa hoje nos convida, de novo, a tomar parte.
A carta de S. Paulo aos Coríntios desafia-nos a ser fermento, não fermento velho, mas um fermento novo que nos leva a contribuir, como pães ázimos da pureza e da verdade, para a renovação de nós próprios , da Igreja e da sociedade.
A renovação tem de começar por casa, logicamente, e, por isso, em primeiro lugar está a nossa conversão pessoal, que quer dizer, mudança de mentalidade sobre muita coisa, a começar pela utilização dos bens materiais necessários à nossa subsistência. Estamos, nestes dias de pandemia, a ser especialmente interpelados para o valor da partilha, assim como para a superação de muitos egoísmos que tomam conta de nós, sob as mais variadas formas. Também é mais forte o apelo a estarmos atentos uns aos os outros, nestes tempos de muito sofrimento e alguma angústia, para combater situações de isolamento e abandono que possam existir. E se for necessário correr riscos para cumprir este dever, não podemos dizer que não. Por isso, estamos especialmente gratos a quantos, profissionais de saúde e outros, como os cuidadores dos nossos idosos arriscam a saúde e até a vida para cuidar dos que mais precisam.
A força do fermento que nos vem de Cristo e do seu Evangelho, representado nesses pães ázimos da pureza e da verdade, a que se refere a carta aos Coríntios hoje, deve repercutir na renovação da sociedade na qual estamos inseridos. E aqui há vários comportamentos instalados que precisam de mudar, os quais, infelizmente por força das ccircunstâncias, já estão a ser identificados e denunciados. É o caso do consumo sem limites a que muitas pessoas estavam habituadas e continuava a ser incentivado. E, mais ainda, era a convicção de que tudo se resolve com dinheiro e bens materiais. E tudo isto é levado ao extremo pelo comportamento desregrado dos mercados financeiros que têm conduzido crescente número de pessoas à marginalidade e estão a provar que não ajudam a economia real dos países, pelo menos de todos. Mais ainda dava-se por comunmente aceite a divisão da sociedade entre os muito ricos e os de pobreza extrema, e que os recursos da natureza podem explorar-se sem limites.
E, pior ainda, é que esta mentalidade dominante tem-se transformado numa espécie de pecado social, que, como tal, anestesia as pessoas, enquanto lhes vai dando a sensação de que estão a ser premiadas quer com resultados económicos e materiais quer com mais importância social. Isto, logicamente, em prejuízo por um lado do bem comum e por outro dos valores essenciais à nossa vida pessoal e comunitária, que vão sendo esquecidos e transgredidos, sem atender aos resultados funestos que daí derivam.
Quanto á vida interna da Igreja, desejo só referir a resposta que dei a uma pergunta que me fizeram, recentemente, sobre o que esperava destes dias de paragem. E eu disse o seguinte: se muitos dos nossos programas e ações pastorais não estão a produzir o efeito desejado, então, é esta a oportunidade para decidirmos mudar e procurar novas formas de atuar em vez de continuarmos a fazer o mesmo de sempre.
Claro que todos nós sabemos que mudar é sempre difícil e a resistência à mudança é também uma das dimensões do pecado social que nos condiciona.
Mas vivemos a esperança de que, privados agora das formas habituais de celebrar e cultivar a nossa Fé, com a presença e companhia do Senhor Ressuscitado, havemos de saber dar passos na direção certa, quanto à necessidade de renovar as nossas comunidades, como o Evangelho pede e as circunstâncias estão a recomendar.
Santa Páscoa, aleluia.
12.4.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda
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